sexta-feira, 15 de maio de 2009

Salários na mira do SEF

265 imigrantes com renovação de residência recusada em 2008 por ganharem pouco

«Deram-me 20 dias para deixar o país». Incrédula com a ordem de expulsão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) recebida no início do ano pelo correio, Joana (nome fictício), apressou-se a reunir toda a documentação que lhe era pedida para permanecer em Portugal. Além de um contrato de trabalho e de uma declaração de rendimentos - confirmando os descontos à Segurança Social e às Finanças - a brasileira apresentou um comprovativo de matrícula do filho, de 12 anos, numa escola portuguesa.
«Convenci-me de que tudo não passava de um grande equívoco» - contou a cidadã brasileira ao SOL, que, já nas instalações do SEF, viu ser confirmada a notificação para abandonar Portugal. «Disseram-me que não tinha como me manter em Portugal», recorda Joana, uma entre centenas de imigrantes que nos últimos meses viram a falta de meios de subsistência ser usada como fundamento para recusa da sua permanência em Portugal.

Imigrantes reclamam maior sensibilidade
Familiarizado com casos como o de Joana, Paulo Mendes, presidente da Plataforma das Estruturas Representativas das Comunidades de Imigrantes em Portugal (PERCIP), disse ao SOL que «situações destas revelam falta de sensibilidade para o tipo de vida que os estrangeiros levam em Portugal». Segundo o dirigente, a análise dos processos de renovação de residência deveria ter em conta que «muitas vezes prevalece uma relação laboral demasiado informal, que se traduz no pagamento de salários em dinheiro» ou numa «declaração de rendimentos abaixo do que de facto se recebe». Para Paulo Mendes, «este panorama dificulta a existência e a apresentação das exigidas provas de subsistência», arrastando «milhares de imigrantes» para a ilegalidade.
Joana acredita que seria esse o seu destino, não fosse a interferência de uma pessoa amiga que lhe ajudou a ultrapassar a determinação do SEF. «Neste momento, não teria nem como pensar em voltar para o Brasil», diz a empregada doméstica, que vive em Portugal há cerca de dois anos.
Apesar de ganhar apenas «um pouco mais que o salário mínimo (450 euros)», a brasileira contesta a alegação de que esse valor é insuficiente para sobreviver: «Se acham que não dá para viver com isso, por que não aumentam o salário mínimo?»
Questionado pelo SOL sobre os critérios usados para a análise dos meios de subsistência dos imigrantes - estabelecidos numa portaria de 2007, que define como valor de referência o salário mínimo multiplicado por 12 - o SEF esclareceu que «sem o nome da titular do processo não é possível perceber em que se baseou a decisão». Perante a impossibilidade de identificar a imigrante - que não quis revelar o nome para evitar represálias -, o SOL reconstituiu o processo descrito por Joana.

Crianças travam expulsões
Na resposta, o SEF começou por salvaguardar que «não conhece o caso em concreto», explicando de seguida que as ordens de expulsão de imigrantes com contrato de trabalho e impostos em dia «não são comuns». O Serviço acrescentou ainda que - em cumprimento da Lei da Imigração - não se emitem notificações para abandonar o país quando o processo envolve «crianças em idade escolar».
No entanto, apesar de a lei colocar as crianças acima dos meios de subsistência, Joana garante que os inspectores do SEF nunca quiseram saber do seu filho. «Chegaram a perguntar por que mandei vir o menino do Brasil», indigna-se, lembrando «a falta de respeito» com que foi tratada. «Quando mostrei quanto ganhava, insinuaram que tinha de fazer 'outras coisas' para me sustentar e até disseram que, expulsando-me, estavam a fazer-me um favor».
A verdadeira ajuda do SEF a Joana acabaria, contudo, por ser outra: «Resolvi a situação graças à intervenção de uma ex-patroa com conhecimentos lá dentro».
Menos sorte teve o ucraniano Yuri (nome fictício), um dos 516 imigrantes que, em 2008, viram recusado o pedido de renovação de residência e um dos 265 que recebeu como justificação dessa recusa a falta de meios de subsistência.
Em situação irregular desde o final do ano passado, este engenheiro de formação partilhou com o SOL o receio de ficar no desemprego. «A empresa onde trabalho não aceita ilegais», explica o ucraniano que encara o futuro com desconfiança: «Se continuar clandestino, além do emprego vou perder todos os meios direitos».
Esta é uma das principais preocupações preocupações da Comissão Nacional para a Legalização de Imigrantes (CNLI), que teme o agravamento das situações de exploração.

Ilegalidade potencia despedimentos
«Há casos de imigrantes que acabam mesmo por ser despedidos», disse ao SOL Manuel Solla, presidente da CNLI, dando força à apreensão do ucraniano Yuri. «Com o aumento da fiscalização, as empresas já não arriscam empregar trabalhadores ilegais», explica o dirigente, acrescentando que a prova dos meios de subsistência apanhou muitos desprevenidos.
«Estamos a acompanhar pelo menos 20 imigrantes que, depois de anos na legalidade, viram recusada a renovação de permanência no país» - calcula Manuel Solla, criticando o facto de as comunidades estrangeiras não terem sido preparadas para a necessidade de fazerem prova dos rendimentos.
O resultado, salienta, revela «injustiças gritantes»: «Algumas pessoas viveram na legalidade nos últimos 10 ou 15 anos, mas agora são obrigadas a travar batalhas jurídicas contra o SEF para continuar em Portugal».


fonte: Semanário SOL, edição de 9 de Maio de 2009, jornalista Paula Cardoso

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